A Questão Social

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Serviço Social - O que é?

É uma profissão de cárater sócio-politico, crítico interventivo que se utiliza de instrumental científico multidisciplinar das Ciências Humanas e Sociais para análise e intervenção nas diversas refrações da "questão social", isto é no conjunto de desigualdades que se originam do antagonismo entre a socialização da produção e a apropriação privada dos frutos do trabalho. Inserido nas mais diversas áreas (saúde, habitação, lazer, assitência, justiça, previdência, educação, etc) com papel de planejar, gerenciar, administrar, executar e assessorar políticas, programas e serviços sociais, o Assistente Social efetiva sua intervenção nas relações entre os homens no cotidiano da vida social, por meio de uma ação global de cunho sócio-educativo ou socializadora e de prestação de serviços.

O Assistente Social está capacitado, sob o ponto de vista teórico, político e técnico, a investigar, formular, gerir, executar, avaliar e monitorar políticas sociais, programas e projetos nas áreas de saúde, educação, assistência e previdência social, empresas, habitação, etc. Realiza consultorias, assessorias, capacitação, treinamento e gerenciamento de recursos; favorece o acesso da população usuária aos direitos sociais; e trabalha em instituições públicas, privadas, em organizações não governamentais e junto aos movimentos populares.

terça-feira, 14 de junho de 2011

ASPECTOS ECONÔMICOS E POLÍTICOS DETERMINANTES DA POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA

Postado por Levi Tavares

Por Maria Luiza Amaral Rizotti
* Assistente Social, professora do Departamento de Serviço Social da UEL, doutora em Serviço Social pela PUC-SP.


RESUMO

O presente artigo aborda as políticas sociais no Brasil a partir das determinações estruturais e históricas do modelo econômico e político brasileiro, definidas na relação entre Estado e sociedade civil.

Palavras-chaves: Política social; Estado brasileiro; Estado de Bem-Estar; Sociedade Civil.



As relações condicionantes entre o Estado Moderno e a produção capitalista foram reiteradamente abordadas pela tradição marxista. Já nas obras políticas de Marx e “n’O Capital” – a despeito do ponto no qual interrompe-se esta última obra – a análise aponta quatro funções básicas que desempenha o Estado contemporâneo na produção capitalista. Em primeiro lugar, o Estado desempenha a função de capitalista coletivo ideal, segundo a qual atua na criação de condições materiais genéricas para a produção (isto é, a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do capital em seus diferentes ramos – energia, transporte, comunicações, etc.). Essa função inicial do Estado pode ser constatada desde o período da acumulação primitiva do capital e, após a existência de um curto período de capitalismo concorrencial, ganha ênfase novamente com o surgimento das condições monopolistas de produção.

Em segundo lugar, o Estado contemporâneo desempenha na produção a função de árbitro, através da criação e sustentação do sistema geral de leis, destinado a regulamentar as relações sociais fundadas na e destinadas à produção de mercadorias. Subsidiariamente, uma terceira função agrega-se a esta última: o Estado regulamenta as relações entre capital e trabalho assalariado, intervindo desde um ponto exterior no conflito de classes e completando o conjunto de condições internas para a produção. Finalmente, uma última mas não menos importante função consiste na política comercial externa desempenhada pelos Estados contemporâneos, através da qual logram prover as condições necessárias à expansão do capital nacional total no mercado internacional.

Segundo a análise marxiana, portanto, o Estado realiza sua função estratégica ao prover as condições necessárias e suficientes à formação do capital social conjunto, propiciando a subsunção do capital comercial ao industrial e das formas não-capitalistas de produção à forma mercadoria. Nesse sentido é que pode ser definido como instrumento de opressão de classe sobre classe, através do qual a burguesia logra impor um modo específico de dominação política e de exploração econômica na era capitalista.

O resultado essencial desse seu papel é que se produz a socialização dos custos de reprodução da força de trabalho e do capital em geral, permanecendo subordinada à política econômica do Estado (em sua forma monetária, fiscal ou social) e aos setores monopolistas e competitivos da produção capitalista. Nesse processo, cujo ponto extremo pode ser localizado na constituição e evolução das formas do capital financeiro, duas lógicas antagônicas coexistem: a do capital, consubstanciada no caráter quantitativo do valor e na finalidade de produção de mercadorias e a do Estado, expressa no caráter qualitativo das diferentes demandas públicas e na finalidade de produção de serviços.

A emergência do estágio monopolista de produção e da subseqüente fase da acumulação flexível de capital, acentuaram ainda mais as funções do aparelho político do Estado no processo de produção capitalista. Não obstante, o papel desempenhado na realização da acumulação primitiva do capital, as atribuições do Estado durante o processo normal de produção capitalista concorrencial deveriam resumir-se essencialmente à função de árbitro dos contratos e garantidor da forma mercadoria e de suas manifestações na produção. Mas as transformações ocorridas no modo de produção capitalista durante o último século, tornaram essa função por si só insuficiente, ocasionando uma alteração-chave, que consistiu na conversão do Estado de árbitro da economia em interventor ativo no processo de acumulação do capital.

Paralelamente, essa nova condição provoca também transformações nas instituições políticas de nossa época, sintetizadas no esvaziamento do poder legislativo e das formas de representação que o Estado incorpora em favor de uma organização corporativa do poder e na transição da fórmula clássica de lei geral para uma intervenção legislativa ad hoc na vida social.

Com efeito, a organização e desenvolvimento do Estado de Bem-Estar no mundo ocidental expressa genuinamente essas transformações do aparelho político do Estado na sociedade capitalista contemporânea. Como resposta capitalista à crise econômica e social evidenciada com o episódio da grande depressão americana e como reação política ao avanço do socialismo ocorrido desde o período entreguerras, o advento do Estado de Bem-Estar criou para as sociedades capitalistas, nas quais se desenvolveu, uma nova realidade política, a saber: a de que a legitimidade do poder do Estado, antes residente na forma racional-legal da organização política democrática, encontrar-se-ia desde então condicionada ao grau de eficácia da ação do Estado na resposta à crise capitalista, que de um lado expressava-se pelo perigo da estagnação nas economias de mercado, de outro tomava a forma de aberta exclusão social.

Se, ademais, considerarmos o caráter de clara dependência fiscal do aparelho político de Estado em relação à economia capitalista privada – dependência que se configura em sua forma cabal na contradição entre a natureza do objeto fiscal e os vínculos de uma economia concorrencial de um lado e, de outro, no incremento incontrolável (do ponto de vista das instâncias internas do aparelho do Estado) da demanda de despesa pública – podemos então apreciar com relativa precisão o processo pelo qual a legitimidade do poder político resulta corroída nas novas configurações da sociedade contemporânea.

À mudança nas formas de legitimidade do poder corresponde uma profunda transformação do aparelho político do Estado. A questão central, aqui, consiste na frágil possibilidade de coexistência das formas clássicas do Estado de Direito com os novos papéis desempenhados pelo Estado de Bem-Estar Social. E isto porque de um lado, não podem ser livremente compatibilizados, sem prejuízo para qualquer dos lados, os direitos fundamentais de liberdade pessoal, política e econômica, constituídos a partir da ideologia liberal e da distribuição da riqueza social produzida. De outro, extingue-se a cisão das esferas pública e privada, originada da separação entre sociedade e Estado com a constituição daqueles direitos fundamentais, fundindo-se ambas numa nova realidade, através da qual se processa a reprodução social capitalista.

Desse modo, faz-se necessário situar no universo de transformações políticas e econômicas do capitalismo contemporâneo e, nos condicionantes recíprocos que delas emergem, a análise que empreenderemos das políticas sociais no Brasil. Com isso, procuramos elucidar em que circunstâncias a apropriação da função pública por parte de setores do capital (cujo maior exemplo é certamente a unificação dos níveis organizacionais da burocracia e a coordenação negativa que as agências do Estado desempenham na planificação por projetos) apresenta-se na concepção, implementação e administração da política social e, como ocorre – por força do contexto social de crise e exclusão agudas – a conversão das funções de regulamentação da quantidade e qualidade da força de trabalho nas novas formas de controle social e político.

Desde sua instalação o Estado de Bem-Estar foi constituído com dupla função, de um lado, o desaceleramento do desgaste da força de trabalho, através da implementação de políticas sociais sustentadas por legislação social que garantisse alguns direitos sociais ao trabalhador e sua família e, de outro, como capitalista coletivo ideal, sustentando a própria acumulação capitalista, através de subsídios à produção, suporte de infra-estrutura, fomento às pesquisas e investimento tecnológico. É neste contexto que é constituído o fundo público moderno que, entre outras finalidades, passa a financiar os gastos sociais.

Este financiamento público, cujas formas e contornos foram se constituindo de acordo com a pressão exercida por grupos sociais e políticos, garantiria tanto as políticas sociais quanto a própria acumulação capitalista. Esta pressão tanto se desenvolveu a ponto de ser uma bandeira da social democracia, quanto obedeceu diferentes formatos de acordo com interesses de grupos empresariais diferenciados (burguesia urbana e oligarquia agrária).

O fundo público sustentou a passagem de uma competição anárquica para uma competição mais segmentada. No primeiro caso, é quando todos os competidores capitalistas têm chances razoavelmente semelhantes de ganhos de mercado, imposição de preços e tarifas e operam com uma taxa de lucro geral. Quanto à competição segmentada, os agentes econômicos estão virtualmente separados por volume de capital, oportunidade de conquista de mercado, facilidade ou dificuldade na imposição de preços tanto como compradores quanto como vendedores e operam com uma taxa de lucro extraordinária, gerada por força de um oligopólio de mercados.

No caso do setor oligopolista o fundo público é fundamental para a formação da taxa de lucro. Os bens de serviço tiveram por finalidade a instalação de “antimercadorias sociais” por não serem produzidos conforme as leis da produção capitalista (concorrência entre produtores, delimitação de seu valor pela quantidade de trabalho necessário). Portanto, eles são capazes de realizar a reprodução da força de trabalho sem comprometer a taxa de lucro. Adicionalmente a isso devemos lembrar ainda que parte do fundo público é composto por impostos sobre salários (Oliveira, 1988).

Como todo processo histórico, devem-se considerar as duas faces referentes aos aspectos econômicos e políticos. Neste sentido, a noção de “esfera pública” possibilita apreender a presença da luta de classes no interior do Estado. Quando há avanços dos interesses da classe trabalhadora estes resultam na diminuição dos graus de concentração e exclusão social. É sob a égide da construção, ampliação e reconstrução da esfera pública que se expressa a presença de diferentes sujeitos e interesses, e conseqüentemente, que pode se expressar a democracia representativa.

A constituição de um Estado de classes não impede a construção e ampliação da esfera pública. Ao contrário, as classes sociais são constitutivos inseparáveis, na medida em que precedem a constituição de políticas sociais e a existência de classes sociais. Segundo Oliveira (1988), a esfera pública pode significar avanços da democracia e a propriedade absoluta da burguesia sobre o Estado.

O que é fundamental na constituição da esfera pública e na consolidação democrática que lhe é simultânea é que esse mapeamento decorre do imbricamento do fundo público na reprodução social em todos os sentidos, mas sobretudo criando medidas que medem o próprio imbricamento acima das relações privadas. A tarefa da esfera pública é, pois, a de criar medidas, tendo como pressuposto as diversas necessidades da reprodução social (Oliveira, 1988, p.22).

Com as atuais mudanças no mundo do trabalho, um novo componente surge na relação das políticas sociais geradas pelo fundo público e reprodução da força de trabalho. A relação do capital com o fundo público direciona-se mais para o financiamento do avanço tecnológico e menos para a reposição da força de trabalho, na mediada em que a automação prevê substancial diminuição da mão-de-obra.

Para Castro (1991), a consolidação do Estado de Bem- Estar Social do ponto de vista institucional vivenciou dois grandes momentos: nos anos pós 1930 com o desenvolvimento das políticas keynesianas que expressavam um certo compromisso entre o capitalismo e a democracia e a crise fiscal dos anos de 1970 que atinge diferentes países com graus também diferentes, cujas conseqüências vão rebater diretamente no sistema de seguridade social. Essa perspectiva da periodização contudo, se, por um lado, apresenta uma sistematização da evolução do Estado de Bem-Estar, por outro, não aborda uma análise dos determinantes políticos e econômicos da reconfiguração do papel do Estado na constituição das políticas sociais.

As políticas adotadas nos governos Reagan e Thatcher, indicam uma limitação do Estado Social em que existe nítida tolerância das taxas de desemprego sob a égide de ser esta uma condição passageira para a retomada do crescimento econômico e social. A conseqüência disto é o acirramento das diferenças entre produção e distribuição. Nos últimos anos a tendência neoliberal passou a justificar a diminuição dos gastos com bens e serviços sociais públicos, sob o pretexto de que ocasionavam uma diminuição dos recursos de investimento e crescimento, onerando demasiadamente a carga fiscal nas economias capitalistas (Oliveira, 1988).

Em economias onde o recurso público tinha de ser utilizado para a reprodução do contingente total da força de trabalho, isso não aparecia para o capital como um gasto elevado. A partir do momento em que os ganhos de produtividade do trabalho baseados no desenvolvimento tecnológico e novas técnicas de produção possibilitam liberar grande parcela da força de trabalho, tornando-as desnecessárias para a manutenção de ciclos de reprodução do capital, os gastos em políticas sociais aparecem ao capital como desnecessários, já que perderam sua função estratégica na economia capitalista.

Nos casos dos países subdesenvolvidos, Cignolli (1985) salienta que desde o princípio a tecnologia utilizada caracterizou-se como poupadora de mão-de-obra e, portanto, inexistiu o momento de ampla reprodução da força de trabalho. Neste sentido, para estes países, aos olhos do capital sempre apareceu como um gasto excessivo.

Segundo Oliveira (1988), os verdadeiros motivos da crise do Estado de Bem-Estar Social podem estar associados à ultrapassagem dos limites nacionais da produção e à manutenção destes mesmos limites no financiamento público de reprodução da mão-de-obra. Enquanto os capitais convertem-se em transnacionais, os custos de reprodução da força de trabalho permanecem nacionais, no sentido de serem bancados pelo fundo público estatal:

Nos limites nacionais de cada uma das principais potências industriais desenvolvidas, a crise fiscal ou o que um ganha e outro perde, emergiu da deterioração das receitas fiscais e para fiscais (previdência por exemplo), levando ao déficit público (Oliveira, 1988, p. 12).

A ofensiva neoliberal preconiza o Estado Mínimo, utilizando-se dos artifícios de dissolução de confrontos na esfera do fundo público, diminuindo os gastos sociais determinados para a manutenção da reprodução social e mantendo apenas a manutenção da taxa de lucro do capital. As propostas advindas da direita relativas à diminuição do Estado, não incluem a sua retirada em questões referentes às pesquisas de tecnologia de ponta nem muito menos subsídios à produção.

Esta tendência pode indicar três caminhos que não são excludentes: o primeiro, a mercantilização das políticas sociais, com a substituição de sistemas públicos por privados em todos os campos, sobretudo na educação, saúde e previdência; o segundo, a retomada do assistencialismo na esfera social, deixando para a sociedade a responsabilidade de solidarizar-se com a pobreza; e o terceiro, a despolitização da luta no campo do fundo público e, com isso, a desvinculação com os princípios de igualdade e democracia.

A questão do Estado de Bem-Estar Social e das políticas sociais não se circunscrevem apenas ao campo da economia ou da política, mas no somatório de ambos. Porém, percebe-se imperativa a dominação dos interesses econômicos. A reversão desta tendência dependeria de uma recolocação nas agendas políticas da questão das políticas sociais, diretamente relacionada com a sobrevivência da democracia.

Além disso, esta discussão pressupõe a concepção de um Estado que suporta a correlação de forças e a necessidade da conquista de hegemonia através da ação da sociedade civil, considerando a organização política dos vários grupos sociais. Dá-se neste contexto a discussão dos graus de consciência (econômico-corporativo, a solidariedade entre os membros de um grupo social e o grau que supera o círculo corporativo e incorpora interesses de grupos subordinados). Esta participação é possível por haver reivindicações e até mesmo reformas, mas sem alterações na estrutura do Estado (Gramsci, 1991).

Na discussão sobre as políticas sociais na relação Estado e sociedade civil, cabe destacar uma diferença crucial entre a perspectiva liberal e a crítica marxiana. Trata-se de pensar a origem da questão social, que para a filosofia política liberal são interpretadas como demandas individuais. Para o marxismo, tais demandas são resultantes da relação de classes sociais e a luta entre estas se faz dentro do cenário político, no qual o elemento crucial será a discussão da democracia.

Sob esse ponto de vista, o carecimento originário da questão social surge não mais como resultado da experiência particular dos indivíduos, mas como carecimento de classe. A conseqüência política dessa mudança de visão é que não cabe mais considerar a pobreza como normal e necessária, entendimento que predominou durante o período pré-industrial na Europa, sob a vigência da doutrina da utilidade da pobreza que se baseava no fato de que era esta condição que tornava as massas laboriais (Gomes, 1979). Ao contrário, a pobreza surge aqui como resultado da contradição fundamental entre capital e força de trabalho que impõe a esta última a geração de mais-valia, possuindo desta forma um caráter estrutural antes não mencionado pela perspectiva liberal. Nesse sentido, é que a abordagem sobre as políticas sociais, ao lado de identificá-las como mecanismos de reprodução das condições de acumulação capitalista, não pode furtar-se a analisá-las enquanto resultados, da luta de classes, cujas conquistas constituem o conjunto dos direitos sociais dos trabalhadores.


1 O Caso Brasileiro

As explicações referentes à política social brasileira não podem e não devem ser fracionadas sobretudo no que se refere a determinantes econômicas, políticas e ideológicas, se elas se constituem como partes de uma mesma organicidade explicativa. Neste sentido, faz-se necessário articular temas como o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a constituição do Estado brasileiro, a participação da sociedade civil e a influência do pensamento social brasileiro nas explicações para a questão social no Brasil.

O conjunto destes aspectos só podem ser compreendidos e constituídos numa totalidade, se articulados do ponto de vista da crítica e da história. Portanto, torna-se indispensável a discussão sobre o desenvolvimento econômico e as características do Estado brasileiro, tendo como elemento central da questão social no Brasil e da relação sociedade civil e Estado, as especificidades da burguesia nacional delineadas pela estrutura econômica dependente.

A particularidade da classe burguesa brasileira está associada ao modelo econômico que se desenvolve sob as marcas do neocolonialismo e das fortes determinações do capital externo. A análise do processo de desenvolvimento econômico é feita através da passagem do padrão colonial de crescimento econômico para o padrão de desenvolvimento capitalista, o que não ocorreu linearmente, mas configurou-se muito mais na passagem do colonial para o neocolonial e, conseqüentemente, para o capitalismo dependente.

O período colonial brasileiro sofreu estagnação econômica e foi demarcado pelo contexto socioeconômico e político, sobretudo porque lhe impunha a característica de uma sociedade colonial. Um dos fortes aspectos desta economia é a sua tendência para a exportação de produtos naturais – açúcar, tabaco, posteriormente ouro, diamante, etc. (Prado Junior, 1987).

A formação social é determinada de fora para dentro, e que tudo deveria corroborar para favorecer o mercado externo, desde as especulações no campo produtivo e financeiro até o recrutamento de mão-de-obra de índios e negros. O rompimento com este estatuto colonial e a criação de um Estado nacional constituíam-se e condição primordial para mudanças na ordem econômica e social.

Esse processo que demarcou a ruptura com o regime colonial, apesar de imbuído do espírito burguês, não tinha em pauta a defesa de direitos sociais ou luta pela cidadania, mas somente livrar-se dos grilhões da sociedade colonial marcada pela escravidão e pelo patrimonialismo.

Segundo Florestan Fernandes, duas etapas foram vividas na sociedade brasileira:

1º) a ruptura da homogeneidade da aristocracia agrária; 2º) o aparecimento de novos tipos de agentes econômicos sob a pressão da divisão do trabalho em escala local, regional ou nacional (Fernandes, 1975, p. 27).

As origens agrárias brasileiras impediram a noção de competitividade, implicando na inexistência de um liberalismo genuíno. Este país apresentou-se como um Estado oligárquico que vai persistir até a revolução de 1930.

A constituição da burguesia nacional nos interessa, sobretudo quanto ao fato de que a classe dominante brasileira, desde sua origem, nunca teve em seu ideário a luta e a garantia de cidadania e de democracia, pensada sob a luz de extensão de direitos sociais. Ao discutir o surgimento da burguesia nacional, Fernandes (1975) faz referência ao movimento abolicionista, localizando-o sobretudo como núcleos nos espaços urbanos:

Por fim, destes núcleos é que partiu o impulso que transformaria o antiescravismo e o abolicionismo numa revolução social dos brancos: combatia-se assim não a escravidão em si mesma, porém o que ela representava como anomalia, numa sociedade que extinguira o estatuto colonial, pretendia organizar-se como nação e procurava, por todos os meios, expandir internamente a economia de mercado (Fernandes, 1975, p. 19).

O envolvimento da classe burguesa pelo fim do escravismo teve sua motivação na criação de condições políticas para a expansão da economia nacional e internacional, portanto não se tratava de uma conquista pelo ideário abolicionista.

A burguesia nacional sustentou-se e pôde adequar-se às novas demandas econômicas por sua capacidade de readaptar-se estruturalmente. Esse processo de readequação que lhe permitiu superar a própria crise do poder burguês, só foi possível por três aspectos explicativos: a articulação com o mercado externo, a organização política própria e o favorecimento do Estado na manutenção do poderio econômico (Fernandes, 1975). Destas três, a última nos interessa mais de perto, por tratar-se do posicionamento do Estado em face da manutenção da ordem social vigente.

A possibilidade de converter o Estado em um eixo político de recomposição do poder econômico, social e político da burguesia, estabelecendo-se uma conexão direta entre dominação de classe, e livre utilização, pela burguesia, do poder político estatal daí resultante (Fernandes, 1975, p. 264).

As conseqüências disto são: a inexpressividade de forças antagônicas com perspectivas de organizar-se sob a lógica de contraposição política e revolucionária e um rígido controle sob o processo de organização das classes populares.

Características como a ausência de um projeto político nacional, fortalecimento externo das oligarquias regionais na organização política e a repressão às formas de participação popular estão determinadas pela forma como o Estado brasileiro organizou-se sob forte influência de uma burguesia frágil (sob a ótica de outros países), porém capaz de imprimir internamente uma força reguladora em relação aos interesses de outras classes sociais. A questão da repressão ou do enquadramento e regulação é colocada no âmbito do controle senhorial:

Resguardava-se a sociedade do corrosivo espírito burguês, fortalecendo-se os laços que prendiam os homens aos seus níveis sociais aos correspondentes códigos de honra, e ao mito que o Brasil é sem a versão autocrático parlamentarista do despotismo esclarecido (Fernandes, 1975, p. 165).

A história brasileira foi demarcada pela separação entre a sociedade civil e o Estado. Esta separação tem engenhosa ação da classe dominante burguesa, que buscou identificar sua luta com o “direito natural revolucionário” (Fernandes, 1975, p. 302). E, também, com a capacidade de relacionar o conceito de nação a algo distante e abstrato do cotidiano da vida social, exceto apenas quando esta deve se interpor a favor de ideário da minoria.

(...) a dominação burguesa não é só uma força sócio-econômica espontânea e uma força política regulativa. Ela polariza politicamente toda a rede de ação auto defensiva e repressiva, percorrida pelas instituições ligadas ao poder burguês, da empresa ao Estado, dando origem a uma formidável superestrutura de opressão e de bloqueio, a qual converte, relativamente, a própria dominação burguesa na única fonte de poder legítimo (Fernandes, 1975, p. 303).

Ao apontar as características da burguesia nacional, o autor coloca que sua identidade com a modernidade e civilização era equacionada por interesses particulares e, quando reclamado seu posicionamento a favor de outros grupos, responde de forma conservadora e reacionária:

que nos sirva de exemplo o tratamento das greves operárias da década de 1910, em São Paulo, com puras questões de polícia; ou quase meio século depois a repressão às aspirações democráticas das massas (Fernandes, 1975, p. 206) 1 .

Cabe porém lembrar, que o mesmo autor considera a burguesia brasileira como fruto de uma transmutação da oligarquia, chamada de nova aristocracia, vulnerável e manipulável pela oligarquia conservadora.

A ênfase na caracterização nacional das classes dominantes justifica-se pela intrínseca relação entre esta e o desenvolvimento capitalista. No caso brasileiro, o comportamento particularista dos que conduziam o processo permitiu: a continuidade da dominação imperialista externa; a permanente exclusão (total e parcial) do grosso da população não possuidora do mercado e do sistema de produção especificamente capitalista; e dinamismos econômicos débeis e oscilantes, aparentemente insuficientes para alimentar a universalização efetiva (e não apenas legal) do trabalho livre, a integração nacional do mercado interno e do sistema de produção em bases genuinamente capitalistas, e a industrialização autônoma (Fernandes, 1975, p. 223).

O potencial de luta, ou focos de tensão como são chamados por Florestan Fernandes, era transmutado em relações de obediência e dever com os homens entre si e destes com seus senhores. Os instrumentos de cooptação eram utilizados sob a forma de garantia de poder, riqueza e prestígio.

A competição continha alguma significação estrutural e funcional apenas porque a dominação patrimonialista-tradicional expunha os parentelos, como grupos ou através de seus chefes, uma constante emulação na luta pela preservação ou pelo aumento de riqueza, de prestígio social e poder. Mas ela não se manifestava como um processo diferenciado e social percebido ou valorizado como tal. Ao contrário constituía um componente estrutural e dinâmico das obrigações sociais que ligavam os homens entre si e ao senhor... através das tradições, do dever de mando ou de obediência e da solidariedade moral (Fernandes, 1975, p. 152).

O autor está preocupado com a passagem para uma nova ordem competitiva no Brasil e no cerne desta discussão está a tradição patrimonialista, na qual o equilíbrio social se faz por solidariedade gestada sob formas autocráticas. Em sua análise, complementa as explicações pondo em pauta não apenas questões ligadas à identidade nacional, mas especificamente a relação entre as características particulares dos estamentos ou classes, que detinham o poder na condução do desenvolvimento capitalista no Brasil.

Além disto, apontou as suas conseqüências como determinantes para a existência de um sistema econômico dependente, onde a exclusão social passou a ser uma marca que se perpetuou em todas as suas etapas. Agrega-se a esta marca, a repressão aos movimentos populares que estampavam a necessidade de medidas governamentais nesta área. O estudo da configuração econômica e política de tal forma imbricada, como apresenta Fernandes (1975), é difícil de ser superada. Porém vale fazer menção aos contornos políticos que demarcaram a história do Brasil.

Tais contornos foram analisados por pesquisadores diferentes sob marcos também diferenciados. Ianni (1971) realiza uma análise a partir das rupturas nas estruturas políticas e econômicas. Para o autor o período entre a Primeira Guerra Mundial e o Golpe de Estado de 1964, ocorreram fatos que demarcam tanto as rupturas, quanto as transformações institucionais importantes. Das citadas por Ianni, cabe destacar a relação entre o aceleramento da indústria com uma política de massas. As décadas anteriores ao Golpe militar foram marcadas por forte populismo e, ao mesmo tempo, foram organizando-se os partidos políticos de esquerda:

Em conseqüência a nova organização do poder, característica da ação política, floresceram atividades políticas e culturais, criando uma cultura urbana diferente e mais autenticamente nacional. Ao mesmo tempo, desenvolveram contradições econômicas, políticas e sociais e criaram organizações políticas de esquerda (Ianni, 1971, p. 9).

No período posterior ao governo Getúlio Vargas, nos anos de 56 a 60 governado por Juscelino Kubitschek, houve uma junção de interesses econômicos dominados pelos ditames do capital externo com a manutenção de uma política de massas. Não mais de conotação nacional, este período foi importante para o fim da proposta de desenvolvimento de caráter nacionalista. Naturalmente a passagem de um projeto que invocasse o nacionalismo foi sendo substituído em função de acontecimentos no campo internacional.

Segundo Ianni (1971), as principais causas foram: a possibilidade de o Brasil ser independente e ter ascendência sobre os países da América Latina e a liderança norte americana sobre o mundo capitalista e, ainda, os acordos internacionais definirem sua liderança exclusiva sob a América Latina. Do ponto de vista da política interna, um aspecto que punha em risco a segurança do poderio econômico, foi a ascensão de movimentos de esquerda que ameaçavam a ordem e o poder burguês. A participação popular após a década de 1940 foi se modificando motivada pela luta política que exigiu tanto da direita como da esquerda novas estratégias de luta pelo poder:

Embora o populismo ainda perdurasse muito além de 1945, aceitando as pressões populares e manipulando seus anseios em nome da ordem instituída, parece claro que as alianças partidárias experimentavam o impacto causado pela crescente força das reivindicações dos trabalhadores (Vieira, 1987, p. 20 2 ).

A relação entre Estado e sociedade civil foi tomando contornos diferentes numa mescla de ditames econômicos e políticos externos, mudanças nos interesses da economia interna, sobretudo com a passagem do modelo agro-exportador para o urbano industrial, a multiplicação de instauração e ações de grupos políticos de esquerda e a organização dos trabalhadores urbanos. Desta forma, puderam-se ver no cenário nacional lutas políticas associadas a projetos de modernização exigidos pelo desenvolvimento urbano industrial e a constituição de um proletariado urbano que passam a apresentar, de forma mais pontual, suas reivindicações por melhores condições de vida e trabalho.

O Estado Militar, que teve início em abril de 1964, buscou a estabilização econômica com prevalência no investimento urbano industrial. Com ele, implantou-se um regime de repressão que acabou por desagregar o nacional populismo que vigia até então. A análise de Celso Furtado recolocada por Cardoso, indica a reação dos atores políticos de então sobretudo das classes médias que passaram a desenvolver as seguintes ações:

a) luta pela retomada da democracia formal;

b) tentativas, a partir da juventude, de mobilização das massas especialmente as rurais, para contrapor-se ao Estado Militar;c) infiltração do estamento militar por ideologias favoráveis ao desenvolvimento autenticamente nacional, ideologias estas que também encontram base em setores de classe média (Cardoso, 1993, p. 59).

Neste sentido, não apenas as formas de repressão e controle do Estado deram conta de conter as pressões, foram necessárias a inclusão de algumas forças sociais tais como: as classes médias e alguns setores das Forças Armadas. Caminharam de forma plasmada o projeto econômico dependente associado 3 e o processo político. O modelo político por um lado associava as classes médias com o projeto de um desenvolvimentismo industrial dependente e, por outro, um sistema repressor que desativou organizações de classe com forte característica de uma sociedade politicamente fechada. Os instrumentos para isso, além da repressão militar, foram a centralização administrativa e a burocratização do Estado.

A abertura política e a reconstrução do Estado de Direito traz à tona a discussão da relação Estado e sociedade civil, agora dentro das conformações da democracia. As características, que este novo momento político vai ter, estão diretamente associadas a outros momentos de vivência democrática no país.

Nas décadas de 1940 e 1950 a defesa da democracia tinha em seu cerne a preocupação de incorporar a classe trabalhadora ao processo político com o objetivo de controlar as pressões por elas exercidas sobre o Estado.

O período do populismo apresentou uma forma de relação entre o Estado e a população. A marca deste período era o trato direto com as lideranças populistas e as reivindicações de massa. Weffort (1978), ao analisar o processo de democratização no Brasil, coloca a década de 1940 como o período em que a democracia rompe com o simples formalismo e vai tomando os contornos de uma participação popular efetiva.

O mesmo autor, porém, aponta para os limites desta forma de organização, ressaltando o fato de o Estado apresentar-se multifacetado e emaranhado de compromissos com os vários segmentos tanto da direita quanto da esquerda. Um dos problemas deste tipo de organização ou desorganização participativa é que as massas ficam à mercê de manipulações de cunho clientelista, semelhantes aos utilizados pelo coronelismo, também difundidos nos espaços urbanos.

Para Furtado (1979), esta prática democrática pode ter sido determinada tanto pelo ritmo lento pelo qual se instituiu a democracia formal no Brasil, quanto pela resistências em torno de uma organização, em que as chamadas massas populares pudessem expressar seus interesses.

A defesa da democracia passou a ser bandeira dos mais diversos grupos intelectuais 4 e da classe dominante. Para estes últimos, a democracia significava a possibilidade de melhorar as relações econômicas de domínio externo, portanto passaram a compor grupos organizados como a Ação Democrática Popular – ADEP (Resende, 1996).

Alguns grupos de esquerda entendiam que o cerne da luta deveria ser a possibilidade de a população constituir-se em sujeitos políticos de transformação e a questão da democracia não compunha estes interesses, ao contrário, significava aspectos a serem superados para a constituição de um novo projeto nacional. A democracia passou a ser utilizada pela direita como instrumento de desarticulação e enfrentamento dos grupos opositores, chegando ao final da década de 1960 como proposição oposta à idéia de transformação social:

Por um lado, o regime militar e seu grupo de poder insistiam em que suas medidas ditatoriais eram a expressão da verdadeira democracia que convinha ao país. Por outro, parte da esquerda mostrava-se empenhada numa transformação revolucionária e não via com bons olhos qualquer menção à palavra democracia (Resende, 1996, p. 36).

A construção de uma sociedade democrática, que historicamente sempre foi frágil no Brasil, demandaria a participação efetiva da classe trabalhadora no processo político. Isto significaria a emergência dos movimentos sociais o que foi intensificado a partir do final da década de 1970 e nos anos 80. Sader (1988) destaca a importância dos movimentos sociais organizados.

O destaque não foi apenas para a diversidade de sujeitos políticos que permitiu uma característica própria para o fim da ditadura militar, mas sobretudo a politização das lutas que foram de inicio mais pontuais como o movimento sindical, as comunidades eclesiais de base, as associações de moradores e foram transformando-se em lutas pela reconstrução do Estado de Direito no Brasil.5

Se por um lado, o processo que deu fim ao autoritarismo militar pode ser visto como uma concessão deste regime, gerando uma liberação controlada e negociada dentro do próprio Estado, por outro lado, a importante reação da sociedade civil organizada, oportunizando suas forças adquiriu capacidade de resistir ao autoritarismo. Neste sentido, a abertura democrática significou um movimento dialético de confronto e correlação de forças.

Por se tratar de um processo de lutas e conquistas, a democracia no Brasil foi suscitando adjetivações como participativa, democracia como ação política, democracia social, indicando a necessidade de articular as diversas dimensões institucionais, econômicas e políticas.

Estas dimensões estão postas por Chauí (1997) ao discutir as condições sociais para a democracia. Mais do que a defesa da liberdade (bandeira dos liberais) ou da igualdade (bandeira das esquerdas) a democracia deve ser entendida como uma forma de vida.

Se, na tradição do pensamento democrático, democracia significa: a) igualdade, b) soberania popular, c) preenchimento das exigências constitucionais, d) reconhecimento da maioria e dos direitos da minoria, e) liberdade, torna-se óbvia a fragilidade democrática no capitalismo (Chauí, 1997, p. 141).

Segundo a autora, deve-se acrescentar a esta discussão pendular entre a igualdade e a liberdade, a questão da exploração de classe e o papel do Estado nela, o que necessariamente, remeteria a pensar a alienação e o Poder.

Três sujeitos estão postos nesta discussão: o Estado, a sociedade civil e a sociedade política, cujo caminho para a democracia seria a possibilidade de uma atuação rumo à hegemonia das classes populares e à “vida social como coisa pública” (Chauí, 1997, p. 183). Está implícita nesta colocação a concepção de Estado pulsando a correlação de forças e expressando as lutas das minorias e seus movimentos mais amplos e populares, superando o modelo de grupos de pressão que tinha vigorado até então no Brasil.

O estudo das políticas sociais no Brasil, mais especificamente destas como resultado da relação Estado e sociedade civil, suscitou este rápido estudo sobre o Estado brasileiro, na sua constituição econômica e política. Se por um lado, a política social é uma invenção do modo capitalista de produção e do governo liberal, por outro, a história nos mostra a necessidade de existir sujeitos sociais que engendrem lutas e conquistas para a constituição de direitos sociais. No caso brasileiro foi necessário plasmar a luta por liberdades democráticas e o aprimoramento de direitos políticos com a garantia de direitos sociais.

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